Na edição de 12 de agosto de 2009 a revista Veja publicou matéria de capa entitulada "O Big Bang da Internet".
Dentre os artigos que seriam publicados, segundo a editoração da revista, um seria focado especificamente nos direitos autorais e na atual discussão que envolve o tema no Brasil e no mundo.
Vários especialistas do mundo inteiro foram entrevistados, dentre eles: Prof. Peter Drahos, famoso crítico do sistema de propriedade intelectual; Sisule Musungu, referência na política internacional de propriedade intelectual; Richard Stallman, ex-pesquisador do conceituado MIT e criador do sistema operacional GNU/Linux — junto com Linus Torvalds; Prof. Pedro Paranaguá, da FGV-Rio, dentre outros.
Nenhuma de suas respostas ou comentários foram mencionados na matéria.
Com o intuito de promover o acesso a informação e de enriquecer o debate, achamos por bem divulgar a seguir as respostas dadas pelo Prof. Pedro Paranaguá, da FGV DIREITO RIO, às perguntas feitas pela revista Veja:
- A internet revolucionou a maneira com que as pessoas se relacionam e está impondo uma nova forma de negócios para a indústria de entretenimento. Por mais que as convenções internacionais indiquem o caminho da repressão, a prática social é exatamente outra. Como solucionar este conflito?
R- Talvez o problema esteja justamente aí: em achar que há conflito. A Internet democratiza o acesso a informação e entretenimento. Elimina intermediários e barateia a cadeia produtiva cultural. Torna o consumidor mais próximo do autor bem como da indústria do entretenimento. Possibilita que a indústria saiba quais são as preferências culturais de seu consumidor. Isso gera um oceano de oportunidades para todas as partes envolvidas: indústria, autores e consumidores. Sem se falar na possibilidade de ganho financeiro muito superior ao que ocorria no tempo da tecnologia analógica ou mesmo de CDs e DVDs. Hoje em dia basta um HD ou memória flash/pen drive (muito baratos) no tocador de música digital, no celular, no computador etc. para se ter entretenimento digital. Em nada adianta ter normas ou leis que impeçam algo que é socialmente difundido e aceito. Seriam normas não legítimas, não aceitas pela grande maioria da sociedade; sem eficácia social, como diria Norberto Bobbio. O legítimo é fazer algo que seja aceito, que seja bem-vindo, que beneficie a maioria. A Internet não deveria ser limitada ou filtrada, mas sim servir de via para o progresso social, cultural e econômico.
- A legislação de copyright foi uma conquista para os autores e, durante quase três séculos, solucionou os problemas econômicos dos autores ao mesmo tempo em que ampliou o número de consumidores adeptos. Entretanto, a internet colocou em cheque este modelo. Ele não é mais viável?
R- Tenho minhas dúvidas se os direitos autorais foram uma conquista dos autores. Creio que tenha sido, mais, uma conquista da indústria editorial, na Inglaterra, há 299 anos. Em seguida, nos ideais da Revolução Francesa, os autores, estes sim, em carne e osso — e não a indústria — tiveram seus direitos resguardados. Era uma proteção à personalidade dos autores, contra a supremacia das monarquias. E também tenho minhas dúvidas se os direitos autorais solucionaram os problemas econômicos dos autores, bem como tenha sido responsável por aumentar o número de consumidores adeptos. Até hoje vemos a maioria dos autores recebendo muito pouco por direitos autorais ou sequer recebendo um centavo. A arrecadação é eficiente, mas a distribuição é falha. E em diversos casos o autor não recebe um tostão. Há casos, por exemplo, em que autores pagam para publicar livros de sua autoria — inclusive juízes de Direito. Sem se falar no famoso "jabá" — pagamento feito pelo autor para que sua música toque no rádio. Em suma, no universo de criação são pouquíssimos os autores que realmente são compensados por seus direitos autorais. A deficiente distribuição e a baixa remuneração estabelecida por titulares de direitos autorais são grandes responsáveis por isso. O modelo tradicional de fato está ultrapassado. A Internet pode ser utilizada para maximizar o acesso ao conhecimento, bem como para aumentar a remuneração de todos envolvidos.
- Há outros exemplos na história em que a legislação não acompanhou o comportamento social? O que ocorreu na época? Qual foi a solução para o problema?
R- Toda mudança implica, em maior ou menor grau, certa resistência. Temos exemplos atuais: no Irã, em teoria uma República, as pessoas estão sendo privadas de suas liberdades. São vigiadas, têm sua conexão da Internet cortada; websites filtrados e/ou bloqueados; têm suas mensagens por celular bloqueadas; têm suas antenas de TV via satélite, suas filmadoras e câmeras fotográficas confiscadas. Mulheres são proibidas de sair na rua sem ter a cabeça coberta por um pano. Namorados heterosexuais são impedidos de andar de mãos dadas nas ruas. Essas são claras e atuais formas de legislações e atos que não acompanham o comportamento social. Estive no Irã em junho passado e conheço pessoalmente muitos iranianos e iranianas que gostariam muito de sair de seu próprio país; que não concordam com as regras lá impostas, ainda que num governo, teoricamente, democrático. O resultado? Manifestações sanguinárias em pleno século XXI. Normas ou leis que não sejam legítimas nunca foram nem nunca serão respeitadas pela sociedade, a não ser que haja emprego de força bruta, como o que infelizmente está ocorrendo no Irã.
- A indústria argumenta que, sem o copyright, a inovação e a propriedade intelectual correm sérios riscos de terem uma redução significativa. Você acredita que a defesa da propriedade intelectual pode comprometer a inovação? Há estudos e /ou dados que demonstrem sua opinião?
R- Isso é retórica; marketing do medo. Nunca foi comprovado economicamente que haveria diminuição da inovação ou da criatividade se não houvesse o sistema de patentes ou de direitos autorais. Há, pelo contrário, várias indagações, há décadas, sobre a eficiência de tais sistemas. No século XIX, a até hoje reputada revista The Economist já questionava sobre a eficiência do sistema de patentes de inovação, tendo inclusive sugerido que as leis de patentes fossem abolidas na Inglaterra, o que de fato foi feito na Holanda, por mais de 40 anos. Economistas de peso, como Frederick Mashlup e Edith Penrose, disseram o mesmo há 60 anos atrás. Hoje em dia temos Paul David, de Oxford; Keith Maskus, da Universidade de Colorado; Joseph Stiglitz, ganhador do prêmio Nobel; todos eles, apenas para citar alguns, questionando de forma imparcial e com base econômica a eficiência do sistema de patentes e de direitos autorais. Não entendo que propriedade intelectual seja totalmente dispensável. Contudo, há de se trazer um maior equilíbrio para o cenário atual. Proteger e também promover o acesso ao conhecimento, a educação, a medicamentos. A falta de equilíbrio é nítida, ainda mais num país como o Brasil, onde a renda familiar é extremamente baixa. Portanto, a questão não é apenas jurídica, mas muito mais econômica e social. Se o modelo econômico aplicado por titulares de propriedade intelectual não for melhorado, a indústria continuará a reclamar e a se auto-sufocar. Os preços praticados, bem como o modelo de negócio, devem levar em conta a sociedade local. Há vários modelos alternativos e que vem funcionando em paralelo, inclusive economicamente, como os softwares livres, as licenças de direitos autorais Creative Commons, dentre muitos outros. Sem se falar no aumento de vendas de discos colocados inteiramente de graça na Internet, ou o aumento de vendas de livros digitalizados ilegalmente. Enfim, o que a princípio pode parecer ruim ou inviável, na prática tem se mostrado, em muitos casos, como benéfico.
-Existem dados e/ou estimativas de quantas pessoas fazem downloads de música, filme e livros na internet no mundo?
R- Há vários dados: tanto da indústria fonográfica (International Federation for the Phonographic Industry - IFPI), bem como de empresas privadas de consultoria ou de acadêmicos. Fato é que as pessoas gostam de compartilhar conteúdo, seja ele protegido ou não por direitos autorais. O ato de compartilhar é uma vontade das pessoas. Muitas vezes elas sequer escutam a música ou lêem o livro que baixam da Internet, como mostram pesquisas do professor William Fisher, de Harvard, bem como a prática de nosso escritor, Paulo Coelho. Impedir que pessoas baixem e compartilhem conteúdo vai contra uma prática socialmente aceita, além de não fazer sentido no mundo virtual. O que se deveria fazer é incentivar o dowload e a troca de arquivos e se encontrar um modelo econômico moderno e justo, como eventualmente a cobrança de um valor para download ilimitado de qualquer conteúdo digital protegido por direitos autorais (livros, filmes, música etc.), desde que o consumidor de banda larga expresse claramente que quer baixar conteúdo protegido por direitos autorais.
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