sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Lula, o CEO

Isto é Dinheiro - 24/08/2009

http://www.agenegocios.com.br/imagens/2_286Lula2RT.jpg

Um retrato inédito do presidente. Como ele gerencia, fixa metas e cobra resultados dos seus ministros - e de uma forma muito mais intensa do que se imagina

Denize Bacoccina, Gustavo Gantois e Luciana de Oliveira

Administrar um pequeno negócio, uma grande corporação ou um governo envolve princípios parecidos: definir metas, alocar recursos e cobrar resultados. Em Brasília, o presidente Lula, com seus acertos e seus erros, aprendeu a manejar essas técnicas. E embora seja visto por muitos como um político bom de palanque, mas que delega a gestão aos "gerentões" - José Dirceu no primeiro mandato e Dilma Rousseff no segundo -, ele é um executivo bem mais atuante do que se supõe.

Hoje, além de acompanhar o que cada um dos ministros faz, ele sabe identificar os pontos fracos de uma proposta, estimula o debate e ouve opiniões divergentes para ter certeza de ter tomado uma boa decisão. Quando um projeto dá errado, não tem medo de mudar e começar de novo se for preciso. O ministro Franklin Martins, que se tornou um dos principais conselheiros do presidente, é testemunha disso.

"Ele trabalha no mínimo 12 horas por dia, muitas vezes até 15 horas, e tem foco e prioridade", disse à DINHEIRO. Lula tem outros traços de um bom executivo. Sabe administrar o tempo e também desligar - ele tira sempre os fins de semana para descansar.

Nenhum ministro se arrisca a ligar para ele nesses dias, dedicados à família e a atividades que o ajudam a espairecer, como pescar no lago Paranoá. "Ele sabe delegar. Delega e não vigia. Mas cobra muito. Cobra até em público. Uma vez me cobrou na frente da presidente Cristina Kirchner", disse à DINHEIRO o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. A seguir, histórias que revelam o surpreendente perfil do CEO Lula.

Retornos de longo prazo

No início de 2003, a inflação rodava a 17% ao ano e a equipe econômica de Lula teria de definir a meta de inflação para 2005. Antônio Palocci, da Fazenda, e Henrique Meirelles, do BC, propuseram 5%. Quando Lula recebeu o número, retrucou: "Alto demais, coloca 4%". Palocci argumentou que aquilo implicaria numa taxa de juros alta e em maiores sacrifícios no curto prazo, mas o presidente rebateu dizendo que os benefícios de longo prazo seriam maiores.

No fim, fecharam em 4,5%. Meses depois, com a economia ainda em marcha lenta, Lula chamou de novo os dois. Não iria mexer na meta, mas queria que se criasse uma modalidade de empréstimo com juros mais baratos. Palocci reuniu-se com sua equipe e assim nasceu o crédito consignado, com desconto em folha de pagamento. Olhando em retrospecto, o ex-ministro da Fazenda diz que uma das maiores características do CEO Lula é a visão de longo prazo. "Ele teve paciência e colheu os frutos", disse Palocci à DINHEIRO.

Metas e prazos

Logo que assumiu o governo, Lula pediu ao IBGE um estudo sobre o número de residências que não tinham energia elétrica. O resultado surpreendeu. Eram dois milhões de domicílios e 10 milhões de cidadãos. Esse era o mercado potencial do programa Luz para Todos, lançado com a meta de resolver o problema até o fim de 2008.

Lula atribuiu a tarefa ao ministério de Minas e Energia, à época chefiado por Dilma Rousseff, e alocou recursos no Orçamento. As cobranças passaram a ser feitas mensalmente. No início do ano passado, ao atualizar os dados, o governo percebeu que ainda há um milhão de residências sem energia, que devem ser atendidas até o fim de 2010. E os balanços mensais têm sido repassados pelo ministro Edison Lobão. No último encontro, há três semanas, o presidente se inquietou com a falta de resultados no Amazonas, no Pará, no Amapá e no Piauí. "Ele sempre quer saber o motivo, cobra metas e pede mais empenho", disse Lobão à DINHEIRO.

Sensibilidade social

Lula inaugurou o primeiro mandato impondo um desafio ao seu governo: garantir a segurança alimentar e nutricional de toda população. O primeiro programa, o Fome Zero, acabou naufragando, mas o cadastro único criado naquela época foi fundamental para a criação do Bolsa-Família, o mais bem-sucedido dos programas criados pelo presidente Lula.

Nele foram integrados todos os projetos sociais tocados pelo governo anterior, como o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Vale Gás. "O presidente reverencia muito o Bolsa Família. O programa está sempre no coração e na cabeça dele", disse à DINHEIRO o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. Foi do presidente a decisão de aumentar em 10% o benefício, ao custo de R$ 406 milhões. O orçamento total do programa em 2009 é de R$ 11,6 bilhões. O público atendido, de 11,5 milhões de famílias, deve aumentar para 12,9 milhões até o ano que vem. E o consumo popular, puxado pelas famílias de baixa renda, contribuiu para que o País saísse mais rapidamente da crise.

Estímulo à inovação

Em 2004, o então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, entrou no Palácio do Planalto com os olhos brilhando: "Temos que fazer a revolução da agroenergia no País", disse ele. Lula e o vice José Alencar ficaram fascinados.

Em novembro de 2006, durante a inauguração de uma unidade de biodiesel em Barra do Bugres, em Mato Grosso, Lula apresentou os números. Mais de 4 mil postos vendem o combustível, o que garante o sustento de 205 mil famílias. Há um ano, Lula criou a Petrobras Biocombustíveis. "Ele liga todas as semanas e acompanha de perto o que fazemos", disse à DINHEIRO Miguel Rossetto, presidente da empresa

Reação rápida

Em novembro do ano passado, quando a economia brasileira teve demissões em vez de contratações pela primeira vez em muito tempo, a luz vermelha já acendeu no governo. Ao levar os números ao presidente Lula, o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, foi surpreendido com a reação rápida do presidente. Lula pediu detalhes sobre as demissões em cada um dos setores.

Depois de uma hora, começou a formular, na presença de Lupi, políticas para reativar a economia e tentar conter as demissões, como redução de impostos para o setor automotivo e reforço das linhas de crédito do BNDES e bancos públicos para compensar a falta de crédito no mercado. "Ele já foi chamando Dilma e Mantega para traçarem as primeiras providências. O emprego foi o balizador de toda política anticíclica adotada pelo governo", contou Lupi, que já prevê que o Brasil fechará 2009 com 1 milhão de contratações

Persistência e estrela

Até o dia 2 de setembro de 2006, Lula não fazia ideia do que era pré-sal. Verdade seja dita, pouca gente na Petrobras sabia. Uma delas era Guilherme Estrella, diretor de Exploração e Produção. Quando a empresa ainda estava dividida sobre a viabilidade de continuar gastando dinheiro perfurando o fundo do mar, ele conseguiu convencer o presidente Lula a manter a continuidade dos investimentos. Quando o petróleo foi finalmente descoberto, Estrella anunciou pessoalmente ao presidente a importância da descoberta.

Disse que o risco exploratório era praticamente nulo e os resultados garantidos. Na mesma hora, Lula decidiu retirar os blocos do pré-sal da rodada de licitação de zonas petrolíferas que a ANP realizaria dias depois. Hoje, a Petrobras já é uma das empresas mais valiosas do mundo, com reservas de 8 bilhões de barris.

Alma de vendedor

Lula faz questão de personificar o espírito de caixeiro-viajante e de promotor da imagem do Brasil, como na última reunião do G-20. Com 205 visitas internacionais, Lula gosta de criar situações nas quais pode apresentar empresários a presidentes. Foi o caso da última missão comercial ao Peru.

Quando ouvia o presidente Alan García reclamar da pequena participação brasileira no país, Lula avistou Flávio Machado Filho, diretor da Andrade Gutierrez e gritou: "Flávio! Você conhece o presidente García?". Ao virar de volta para o peruano, fechou com um aviso: "Fique de olho nele". Depois disso, a construtora assinou contrato com a Vale para exploração de uma jazida de fósforo no Peru. Foi assim também com a Camargo Corrêa, em 2005, na Venezuela; com a Odebrecht, em 2003, na Angola; e, recentemente, com a EBX, na China.

O computador pessoal de Lula


A arquiteta Clara Ant, chefe do gabinete- adjunto de informação da Presidência, se autodefine como "a continuísta" do governo. Na linguagem dos manuais da administração, seria a executiva encarregada de fazer os follow-ups. É aquela pessoa que garante que todas as promessas, ideias e intenções de Lula sejam informadas aos ministros das respectivas áreas, que são periodicamente cobrados. O presidente Lula tem uma memória invejada - e temida - por todos os que trabalham com ele e consegue perceber um número errado num relatório a distância.

Ele também se lembra de ordens que deu e cobra informações de interlocutores. Ainda assim, o trabalho dos 12 membros da equipe de Clara é garantir que o governo não dependa da memória de Lula. Eles acompanham todas as reuniões, discursos e entrevistas do presidente, fazendo chegar aos órgãos pertinentes ordens e cobranças - mesmo a ministros que não estavam presentes.

A equipe de Clara também é responsável pelas fichinhas que o presidente recebe sobre cada item da sua agenda: o perfil de um empresário, prefeito ou presidente que recebe em audiência. Um trabalho que tem a exatidão como ponto de honra, ainda que ela não seja isenta de falhas. Há poucas semanas, Clara repassou para a equipe a bronca que levou do presidente quando ele percebeu que um número que citaria num discurso estava errado. "Eu transmito para toda a equipe a necessidade de ser rigoroso, porque ele exige de nós essa necessidade de exatidão", diz ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário