quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Estado capitalista

O capitalismo totalmente flexível: o adeus ao liberalismo e ao keynesianismo clássico e a metamorfose da economia de mercado

José Henrique de Faria*

Os liberais clássicos defendem a concepção do Estado Mínimo, da não intervenção do Estado na economia e da livre concorrência. O mercado é a entidade divina em que todos os problemas, todos os desequilíbrios e todas as crises se resolverão graças ao processo naturalizado de seleção competitiva. Os liberais contemporâneos ou os novos liberais, no entanto, ainda que continuem endeusando o mercado, são como aqueles filhos que decretam sua independência e vão morar fora da casa dos pais, sem, contudo, deixar de receber uma polpuda mesada. Na primeira crise financeira, estes filhos liberais ligam imediatamente para a casa dos pais pedindo dinheiro para pagar as despesas. Se, com o tempo, esta estratégia não der resultado, os filhos liberais voltam a habitar o estado da casa dos pais até que as coisas melhorem e eles possam, novamente, reclamar o ambiente privado de sua independência.
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Na vida em sociedade, os novos liberais reclamam do Estado, mas não vivem sem ele. Na crise de acumulação, esperam a mão visível do Estado a lhes prestar socorro, prover infra-estrutura, investir em áreas estratégicas (comunicações, transporte, energia, etc.). Assim que a situação melhora, desejam privatizar todas as atividades em que possam acumular, criticam o Estado e ainda consideram que este é o maior culpado pelos seus problemas. Reclamam da política de juros dos bancos centrais e censuram o endividamento público e os comprometimentos fiscais, sem confessar que estas medidas foram ou são tomadas para proteger o mercado e o sistema de capital. São filhos ingratos, porém sempre perdoados pelo pai Estado Capitalista, já que a razão da existência deste é proteger o sistema produtivo que o forjou.

Estes novos liberais, usando os discursos dos liberais clássicos, têm se mostrado ligeiros em questionar o apetite tributário do Estado, perguntando “quem paga a conta?”. Pergunta justa se não fosse contraditória. Os defensores do livre mercado, da livre concorrência, da seleção competitiva dos bons negócios e das empresas de sucesso, são os primeiros a se calar quando o Estado eleva seu endividamento para injetar bilhões ou trilhões de dólares na economia para salvar empresas privadas. Por quê? Porque não se trata de salvar apenas uma indústria, um banco ou uma financeira. Trata-se de salvar o sistema de capital e sua ideologia. Por isso, este Estado não é um ente qualquer, mas um Estado Capitalista. A contradição que se evidencia nos discursos é que os liberais reclamam de algo que lhes beneficia apenas quando este algo os incomoda, porque tal política do Estado, para manter coesa a unidade da formação social, precisa igualmente oferecer algumas sobras aos setores sociais. Estas sobras parecem incomodar porque aumentam o gasto e/ou a dívida pública. É certo que muitos programas não são sociais, mas populistas e assistencialistas, contudo, parafraseando Lukács (2008), mesmo o pior destes é melhor do que o melhor programa de transferência de recursos públicos para as grandes corporações privadas para resolver os problemas decorrentes de suas contradições e das suas gestões irresponsáveis. As reclamações são ainda mais enfáticas quando o Estado penetra no terreno que os liberais entendem que podem ser objeto de mercantilização: educação, saúde e infra-estrutura (energia, saneamento, rodovias, portos, aeroportos, etc.). Há algum tempo, de fato, bancos de investimento vêm tentando privatizar as pensões públicas e, de forma total ou parcial, as rodovias, aeroportos, pontes, sistemas de energia, água e saneamento. Quem pode confiar em apostadores insensatos das bolsas administrando serviços essenciais? Só mesmo os liberais, que acreditam na capacidade deificada do mercado. Sem a vigilância, a coordenação e a administração do Estado, estas atividades se tornariam o berço da mais ampla e desenfreada ganância.
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* Economista (FAE), Mestre (UFRGS) e Doutor (FEA/USP) em Administração, Pós-doutorado em Labor Relations (ILIR/University of Michigan). Professor do Programa de Mestrado em Organizações e Desenvolvimento, da FAE Centro Universitário.

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