quarta-feira, 10 de junho de 2009

A USP, o Corinthians, a Petrobras e o casamento caipira



Anavantur, anarriê, balancê, otrefoá...

Neste junho, aguardava eu o bálsamo nostálgico dos folguedos juninos. Pensava em quentão, pipoca e casamento caipira. Não existe ritual mais revelador da identidade brasileira que a boda dos desdentados, mistura do cordel mouro, da bufonaria saltimbanca européia e do baile francês de salão; tudo isso curtido no azeite cultural afro-brasileiro e indígena.

De alguma forma, o casamento caipira é nossa mais doce mentira, aquela necessária à aplacação dos tormentos da alma. Entre a noiva dengosa e o parceiro fanfarrão, estabelece-se um acordo de tempo marcado, tesouro civil numa época em que ainda não se admitia o divórcio.

Os padrinhos endossam a união efêmera e contente, tão verdadeira quanto seus bigodes de carvão. Tem o delegado de olho pidão, à espera de um agrado informal. Mas melhor mesmo é a figura do padre celebrante, cuja figura discretamente farrombeira satiriza todo e qualquer poder institucional.

Era esse teatro burlesco que me convidava ao Brasil. Cogitei até de bailar a quadrilha. Ando meio enferrujado, mas não teria dificuldade em passar pelo túnel de braços.

Depois de enfrentar o Adamastor do Atlântico, posei os pés em Cumbica. E aí fui me dando conta do drama junino brasileiro.

Bastou que uma consultoria apontasse a Petrobras como uma das empresas de melhor reputação no mundo e a súcia senatória contra ela assestou suas espingardinhas enferrujadas. Francamente, já cansou. Como é que o brasileiro ainda tolera os dramas enfadonhos de Agripino Maia, Arthur Virgílio, Álvaro Dias e Heráclito Fortes?

Pé nos fundilhos deles! Ação direta, já! Mandatos cassados por falta de decoro humorístico nas artes de Pinóquio. Maior crime: a insistência. Como dizia Terêncio, uma mentira vem sempre no encalço de outra.


Aí, estarrecido, descubro o que ocorreu com a turma de São Jorge. A polícia serrista resolveu parar 50 corinthianos no trajeto de 700 vascaínos. Viu de camarote o pau comer.

Um promotor de supermercado teve o rosto destruído. Tomaram-lhe as roupas e os documentos. Morreu. E aí a força policial levou os assassinos até o estádio do Pacaembu, como prêmio. Lá, os cruzados da infâmia exibiram com orgulho os bens do rapaz morto.

Um repórter de TV chegou a gravar a exibição dos troféus da barbárie, mas a polícia bicuda ignorou o fato e as evidências. O criminoso retornou ao Rio, bazofiando-se da proeza. Um promotor holofoteiro foi destacado para divulgar uma versão ridícula dos fatos, obviamente reproduzida pela imprensa zumbi de pena alugada.

Aí, assoma ao palco da notícia a nossa USP, agora sucateada, emburrecida, transformada no balcão educativo da divindade protetora dos mercados. Lá, conforme decisão do ex-líder estudantil Serra, os brucutus da PM é que discutem o contrato social.

Na academia, o debate ocorre na ponta do cassetete, ao aroma do gás de pimenta. Diante da violência da tropa, o conciliador sindicalista Brandão quis negociar, apaziguar, mas acabou preso, acusado de “desacatar a otoridade”.

Os estudantes e funcionários resolveram copiar 68, entregando flores aos milicianos. Não funcionou. A retribuição se deu com bombas de gás lacrimogêneo e duros projéteis de borracha.

Os escribas de José Serra, acantonados na Barão de Limeira e na Marginal do Tietê, logicamente, reproduziram a versão oficial. Acusaram os reclamantes de baderneiros e fizeram essa versão circular na mídia satélite, que inclui portais de Internet e emissoras de rádio.

Esta, pois, é a chocarrice encenada pela vanguarda do atraso nas vésperas do Santo Antônio. Os roteiros são escritos pela eterna malta golpista, pelo chateadinho FHC (desde Obama reconheceu as virtudes de Lula), pelo alucinado José Serra e pelos repórteres na coleira. As versões refinadas da farsa são tecidas diariamente por articulistas cafetinados pelos barões da mídia.

Repito: prefiro a festa matuta. Tem zabumba, sanfona e triângulo. Anavantur, anarriê, balancê, otrefoá... Grande roda à direita. Preparar para o grande galope. Preparar o serrote. Passeio na roça com roda. Passeio do amor à esquerda. Changê de damas. Roda à direita e à esquerda. Preparar para o túnel. Olha a chuva! É mentira! Olha a ponte! É mentira! Olha o Jornal Nacional! E mentira. Prepara o caracol. Retire. C’est fini.

Mauro Carrara é jornalista, nascido em 1939, no Brás, em São Paulo. Na década de 80, prestou serviços para a ONU em países como China, Iraque e Marrocos. Atua na área de comunicação e relações internacionais.

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