Extraído do Blog do Mino
Ligo para Konrad Adenauer, a The Economist o chamaria de conservador como chama Luiz Inácio Lula da Silva. Pergunto o que acha do desterro do delegado Paulo Lacerda. Entendam. Poderia ter procurado para falar sobre o assunto uma personalidade de alguma orientação esquerdista, um dos grandes social-democratas, por exemplo, que tiveram em mãos as rédeas da Alemanha. Evitei fazê-lo porque a escolha poderia soar tendenciosa. Adenauer, em todo caso, é figura de alto nível político e moral. Diz, taxativo: “O que aconteceu com Lacerda é algo impensável em um país democrático, civilizado, contemporâneo do mundo”. Esclareça, por favor. “Não é admissível desterrar sem as devidas explicações, precisas e exaustivas, uma personagem que as circunstâncias tornaram central acima do seu próprio cargo, simbólica de toda uma situação de muitos pontos de vista envolta em mistério e sujeita às piores suspeitas. Cabia a governo uma larga e completa satisfação à opinião pública”. Sou forçado a concordar. Quer dizer, o governo errou?
Segue-se o seguinte diálogo.
Adenauer – Lula errou, desde o começo. Desde o momento em que o presidente do STF, Gilmar Mendes, anuncia ao país que vai “chamar às falas” o chefe do Estado e do governo.
Eu – Segundo a revista Veja, uma anódina conversa entre Mendes e o senador Demóstenes Torres fora grampeada.
Adenauer – Mesmo que o grampo fosse verdadeiro, e o responsável identificado sem sombra de dúvida, nem assim o presidente do STF pode-se permitir chamar às falas o primeiro mandatário.
Eu – Como Lula haveria de se portar?
Adenauer – Convidar Mendes à calma e determinar um lapso de tempo para recebê-lo depois de ter-se inteirado a fundo dos fatos. Pelo contrário, na hora Lula recebe Mendes e o ministro Nelsom Jobim e cede diante da acusação sem prova de que Lacerda é responsável pelo grampo presumido.
Eu – A gente sabe, Lula é um conciliador.
Adenauer – Ele é presidente da República em regime presidencialista, tem toda autoridade para agir. O mal não está no espírito conciliador, está na tibieza. E que conciliação é esta pela qual Mendes e Jobim recebem plena e imediata satisfação e Paulo Lacerda é sumariamente afastado da direção da Abin? Mendes é o supremo representante de uma justiça que atira ao lixo o princípio do in dubio pro reu e Jobim é um ministro da Defesa que raciocina como general de uma banana republic.
Eu – Bem, há uma tradição pela qual muitos senhores nas nossas plagas consideram privado o poder público.
Adenauer – Deve ser por causa disso que tudo se dá intra muris, e a opinião pública que se dane.
Eu – Ao cabo, Lacerda é desterrado.
Adenauer – Ao cabo, e às sorrelfas, em dias festivos, enquanto o pessoal ergue brindes. E sem que nada tenha sido provado. Se prova há, é de que a Abin não tem a menor condição de executar grampos.
Eu – Lacerda seria réu também por ter ajudado o delegado Protógenes na realização da Operação Satiagraha.
Adenauer – Sim, sim, não poderia por à disposição de Protógenes homens da Abin. Mas onde está a lei que proíbe? Eis aí mais um ponto do enredo que causa muita estranheza. Em novembro de 2007, Lacerda foi ao seu substituto no comando da Polícia Federal, o tal Luiz Fernando Corrêa, e o pôs a par da sua intenção de fornecer algum efetivo ao Protógenes, caso não recebesse da própria PF. Por que a questão não foi levantada por Corrêa naquele exato instante?
Eu – E então, onde está a culpa de Paulo Lacerda?
Adenauer – Francamente, um mistério. Impossível de digerir em um país...
Eu (interrompo) – ...democrático, contemporâneo do mundo.
Adenauer – Onde se afirma vigorar o Estado de Direito.
Eu – Quem sabe a culpa de Paulo Lacerda tenha sido ir atrás de Daniel Dantas?
Adenauer cala-se, e é como se eu o visse a apoiar o queixo na palma da mão, na pose do Pensador de Rodin.
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