O nosso vizinho já foi apontado várias vezes como o país mais avançado, mais aberto da América Latina.
Marcelo Canellas e Luiz Quilião Santiago, Chile
Crise mundial, efeitos locais - mesmo onde os sábios diziam que a economia estava protegida. Um exemplo é o Chile. O nosso vizinho, apontado várias vezes como o país mais avançado, mais aberto da América Latina.
Quando o mundo encolhe e a demanda por produtos internacionais cai, as economias exportadoras tremem. O Chile vive dias de quebradeira, desemprego. Mas também de esperança. Foi o que a nossa equipe encontrou em uma viagem de Brasília a Santiago.
Moderno, civilizado, pujante – e talvez mais perto do primeiro que do terceiro mundo. Mas, de uns tempos para cá, o orgulho chileno anda seriamente abalado.
“Está tudo ruim”, diz uma chilena.
“O bolso está sentindo. Essa é a verdade”, completa outro chileno.
Freguês reclamão, comerciante entediado e todo mundo furioso – “O consumo já caiu 80%”, calcula um comerciante.
“É porque o povo está comprando menos”, diz uma senhora.
O que há com a economia que bateu recordes de crescimento? A receita chilena quase não mudou nos últimos 30 anos: controle dos gastos públicos, privatização dos serviços e uma abertura comercial radical. Empresas estrangeiras têm liberdade para atuar onde quiserem.
O país mantém acordos de livre comércio que turbinam seus principais produtos de exportação: cobre, peixes, frutas, vinhos. O mercado interno deixou de ser importante. Bom é vender para o exterior.
Mas o Chile ultra-globalizado agora sente na carne os efeitos da crise que vem de longe. É no Porto de Valparaíso, no Oceano Pacífico, que os principais produtos de exportação embarcam para os quatro cantos do mundo. Sempre olhando para fora, o Chile construiu um modelo econômico apontado por muitos como exemplo para a América Latina inteira.
Com a chegada da crise internacional, o país se viu obrigado a olhar para si próprio e se perguntar: estaria protegido contra os efeitos da recessão mundial? Primeiro foi perplexidade. Agora é a cautela. A economia chilena ainda tenta entender o que se passa.
“Os efeitos da crise já começam a ser notados”, diz o gerente comercial de uma vinícola que tem o Brasil como um dos principais clientes.
Matias acaba de chegar de uma viagem a São Paulo, onde foi renegociar preços. Com as mudanças drásticas na cotação do dólar, ficou mais caro importar vinho e os pedidos estão caindo. “Com o cenário de tanta volatilidade para os países importadores, é natural que os exportadores demorem a tomar decisões”, explica. O gerente da vinícola diz que eles próprios ainda não sabem o que fazer.
O fato é que as primeiras medidas já foram tomadas pelas grandes empresas e atingiram em cheio os trabalhadores.
“Estou procurando emprego, mas está difícil”, diz uma trabalhadora.
“As empresas têm medo de quebrar e por isso estão demitindo”, aponta um chileno.
Entre os jovens, o desemprego é três vezes maior. Para o economista Arturo Leon, é apenas a primeira consequência do golpe que o Chile recebeu da recessão mundial: “Está caindo a demanda externa, principalmente a demanda da China, um cliente importantíssimo. O Chile vai ter problemas para exportar: ou cai a quantidade ou cai o preço. Ou os dois”, adianta.
“Já caiu a procura por nossos produtos’, diz o presidente da principal associação de pequenos empresários. Já quebraram 10% dos associados: “Estamos falando de mais de 60 mil empresas formais”, completa.
Dom Felipe é um dos pequenos empresários falidos. Ele mostra as paredes nuas, onde antes estavam as gôndolas de seus armazéns. Com a crise, os clientes sumiram. “Até que aguentei, mas não dá mais”, avisa. Dom Felipe vai vender ração para cachorro enquanto espera que passe o vendaval.
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